Visita a J. Toledo
No período da pesquisa para o "Rapsódia..., tive o privilégio de conhecer o pintor escritor J. Toledo, em 1991, residindo em Sousas, numa casa da estrada para o San Conrado. Avisou-me, quando lhe telefonei, que só poderia me receber ao
entardecer. Cheguei sozinha, com máquina fotográfica, por
volta das 17h00, quando o sol começava a enfraquecer e recebeu-me numa sala meio escura, tendo a luminosidade vindo apenas de uma janela mal aberta.
Toledo foi logo falando de seu hábito de
dormir de dia e trabalhar à noite e de sua fotofobia, acrescentando que considerava muito mais produtivo trabalhar enquanto os
demais dormiam.
Pela impossibilidade do uso de flash, tentei fotografá-lo com uma
grande abertura da lente, mas a imagem saiu péssima (não havia previsto a
situação e não levei tripé). Na época, ainda não existiam as câmeras
digitais, com os dispositivos de hoje, para checarmos logo a qualidade da foto. Assim, só após a revelação é que consegui constatar que a tomada tinha sido perdida.
Nesse encontro, o pintor mostrou-me e comentou sobre suas obras, principalmente, os registros numa sequência dos momentos da morte do extravagante arquiteto, Flávio de Carvalho, de quem foi muito amigo. Esses esboços de pinturas estavam todos dispostas em quadros em paredes de sua casa. Devo admitir que fiquei um pouco impressionada com as imagens retratadas da morte.
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Foto: CEDOC/RAC |
J. Toledo ou José
Mário Arruda Toledo
Nasceu em São Paulo em 1947 e, em sua juventude, mudou-se para Campinas. De acordo com o crítico de arte, Theon Spanudi, "J. Toledo desenvolveu um surrealismo sui-generis que poderíamos chamar de existencialista". Em vida realizou 99 exposições, contando desde a primeira ocorrida quando tinha apenas 14 anos.
Sua
centésima exposição, em 2008, denominada Tolegrafias, ocorreu no Espaço CPFL Cultura de Campinas como uma homenagem póstuma. Seu falecimento se deu em 2007.
Além
de pintor J. Toledo, foi também escritor, muito influenciado por sua amiga Hilda Hilst, tendo escrito, entre outras obras, a mais completa biografia do artista plástico
Flávio de Carvalho, o bruxo de Valinhos, com quem trabalhou na fazenda Capuava, em 1971. Foi só após 1986 que completou suas pesquisas sobre a vida e a obra de Flávio de Carvalho, com o recebimento
da bolsa-auxílio pesquisa inicial do CNPq. entre outras obras destacam-se as biografias
publicadas: Flávio de Carvalho - o comedor de emoções , pela editora
Brasiliense/Unicamp, em 1994, e Dicionário
de Suicidas Ilustres, pela editora Record, em 1999.
Flavio de Carvalho tentou lançar a moda de saias masculinas em 1956
Flávio de Carvalho o Gênio Esquecido
Por Flávio Viegas Amoreira
Flávio de Carvalho, engenheiro, arquiteto pioneiro do modernismo no Brasil, agitador cultural, artista plástico, pensador é das mais “deleuzianas” figuras que antecederam o pós-estruturalismo: o homem que afrontou a moral careta de São Paulo durante 50 anos viveu a revolta sem ressentimento : “resistir à morte, à servidão, ao intolerável, à vergonha, ao presente” segundo Deleuze pode se encaixar perfeitamente ao Flávio de saias pela Barão de Itapetininga, o imoralista priápico, o mestre do traçado que imortalizou os últimos momentos da mãe: alguém que pranteava criando. A existência como “experiência” : Flávio era um projetista do futuro, um virtuose de novos moldes de expressão: Flávio era do caralho! Rizomático gozador que deitou sementes libertárias, mesmo que ainda não valorizado pela extensão e profundidade imanente de sua obra desconcertante. Acabei de ler a imensa e deliciosa biografia do bruxo de Valinhos escrita por J. Toledo:
Flávio de Carvalho, o comedor de emoções (Editora Unicamp/ Bras
iliense), um amplo estudo que deve ser achado ainda em sebo ou nos sites de busca. Dessa obra-prima de pesquisa sai carregado de signos recheado de significados: Flávio antropofágico, Flávio regurgitofágico na linha dum Glauber ou Michel Melamed que o sucederiam, Flávio nudista, Flávio santista ocasional que descia a serra para visitar a futura “diva” Cacilda Becker, Flávio visionário do caos cibernético e do vazio de sentido que só seria vencido com Arte militante, cotidiana, Arte como modo de operacionalizar o Absurdo. A casa de Valinhos, as primeiras bienais, o conjunto edificado na Alameda Lorena, onde andará o pensamento de Flávio de Carvalho pelas ruas de Sampa?
Disponível em: https://pausarevista.wordpress.com/2008/12/04/flavio-de-carvalho-genio-esquecido/, acesso em 18 seet. 2015.